Economistas e produtores de Goiás alertam para momento perigoso: ‘que o governo responda com diplomacia’
Entidades propõem que Itamaraty, governos estaduais e setor produtivo articulem resposta coordenada para evitar ampliar arestas

O anúncio do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros a partir de 1º de agosto gerou forte impacto nos mercados financeiros e gerou um alerta nas principais frentes da economia nacional. Embora o republicano já tenha sinalizado anteriormente a possibilidade de medidas protecionistas, o salto repentino nas tarifas pegou os investidores desprevenidos e aumentou a instabilidade.
A economista e analista de mercado Greice Guerra Fernandes afirmou que “essa decisão do Trump pegou o mercado de surpresa”, desencadeando queda no Ibovespa à vista de 1,31%, recuo de 2,23% no Ibovespa futuro e alta superior a 1% no dólar, que fechou em US$ 5,58. A medida, segundo ela, lança uma densa nuvem de incerteza sobre a economia brasileira e mundial.
Embora houvesse indícios anteriores, como as ameaças feitas em junho, Greice explicou que o mercado não esperava uma elevação tão drástica da tarifa, uma vez que, em abril, Trump havia fixado a taxa em 10% durante o chamado “Liberation Day”. No entanto, a decisão de subir para 50% surpreendeu investidores nacionais e estrangeiros, principalmente porque foi divulgada após o encerramento do pregão, provocando volatilidade no mercado no período de after market.
Para a analista, a medida possui um claro “componente político”. Trump, ao justificar a nova taxação, endereçou uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e publicou em sua rede Truth Social. No texto, defendeu o ex-presidente Jair Bolsonaro e criticou o Supremo Tribunal Federal (STF), o que reforça, segundo Greice, a percepção de que “ele está colocando essas tarifas para poder atingir um objetivo político”.

A economista ainda afirmou que, ao jogar com as tarifas, Trump pode estar tentando influenciar diretamente no cenário eleitoral brasileiro. “A gente nota claramente que o Trump não quer a esquerda aqui no poder, no Brasil. A gente vê que é um discurso de um populista de direita, que é o Trump, contra um populista de esquerda, que é o Lula.” Por isso, segundo ela, é essencial que o governo brasileiro responda com diálogo e diplomacia, e não com provocações ou retaliações imediatas.
Agro
Pedro Leonardo Rezende, secretário de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Goiás (Seapa), avalia que a taxação de 50% imposta pelo governo dos EUA sobre os produtos agropecuários brasileiros deve afetar o agronegócio goiano, bem como todo o cenário nacional. “Em Goiás, olhamos com atenção essa decisão, principalmente no que se refere ao abate de animal. Os Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial de Goiás em relação a exportação de bovinos, ficando atrás apenas da China. O país norte-americano é responsável por aproximadamente 25% da compra dos bovinos que são produzidos em Goiás.”

Além dos impactos no que se refere à exportação de proteína animal, a maior parte da produção de grãos é destinada à alimentação animal, diz o secretário. “Desta forma, a taxação também pode ter um impacto significativo nesse cenário. O Governo de Goiás tem trabalhado no sentido de ampliar as relações internacionais. A exemplo disso, destaque para a Missão ao Japão, além da interlocução junto aos representantes de outros países. Todas essas medidas visam aumentar as alternativas de exportações, para que essas medidas pontuais não tenham impactos tão expressivos no mercado interno.”
Nesse sentido, o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, anunciou a criação de um grupo de trabalho para avaliar a resposta à tarifa e estudar a abertura de novos mercados. Enquanto isso, o governo segue tentando negociar até 1º de agosto. A Federação das Indústrias do Estado de Goiás (Fieg) publicou nesta quinta-feira, 10, uma nota técnica apontando o risco de retração de até 15% no fluxo comercial entre Goiás e os EUA, destacando o impacto nos setores de agroindústria, mineração e autopeças.
Greice enfatizou que as tarifas podem afetar diretamente o setor produtivo nacional. Segundo ela, “isso aí pode acarretar desaceleração econômica, retração do setor produtivo, distribuição e oportunidade de empregos”. Além disso, o efeito inflacionário é inevitável, pois empresas exportadoras devem repassar parte dos custos ao consumidor interno, pressionando ainda mais os preços e forçando uma possível alta adicional da taxa Selic, atualmente em 15%.
O presidente do Sindicato Rural de Jataí, Evandro Vilela Barros, também se manifestou com preocupação: “Essa taxação vai prejudicar muito, a gente já não tá preparado pra isso”. Ele ressaltou o momento delicado vivido pelo agronegócio, que já enfrenta dificuldades financeiras, climáticas e de rentabilidade. Para ele, a medida demonstra “falta de habilidade muito grande para tratar desse assunto tão importante no Brasil”.

Na mesma linha, Renato Ribeiro, produtor de soja de Catalão, pediu cautela na análise: “Ainda está muito precoce para ter uma opinião sobre, porque o Trump começa com esses números procurando uma negociação”. Segundo ele, a taxação tem viés político e não será mantida nos moldes atuais, já que prejudica ambos os países. Ele ainda destacou que o câmbio valorizado pode até beneficiar parte das commodities, mas o impacto geral é negativo para o setor produtivo.
Greice alertou que os efeitos podem ser ainda mais amplos. Com as importações ficando mais caras, insumos e matérias-primas também devem encarecer, afetando diretamente a indústria, a agricultura e os serviços. O resultado, segundo ela, será o “atravancamento do crescimento econômico”. A analista acredita que, se não houver diálogo antes da reunião do Copom marcada para 30 de julho, o Banco Central poderá rever sua estratégia de manter a Selic, diante do novo cenário externo de pressão cambial e incertezas.
A Fieg, por sua vez, propôs que o Itamaraty, os governos estaduais e o setor produtivo articulem uma resposta coordenada. A entidade defendeu a diversificação de mercados, adoção de compensações fiscais e a manutenção de canais de diálogo. Ela ainda lembrou que os EUA são o maior investidor estrangeiro no Brasil, com US$ 156 bilhões, e o segundo principal parceiro comercial, com US$ 78 bilhões em transações em 2024.

Em entrevista ao Jornal Opção, o presidente da Sociedade Goiana de Pecuária e Agricultura (SGPA), Gilberto Marques Neto, também demonstrou preocupação com a postura do governo federal. “Para a política é muito prejudicial distanciar o Brasil dos Estados Unidos, e acredito que é um imbróglio que o Governo Federal Brasileiro vai ter que ter muita serenidade para conseguir transpor isso porque, envolveu-se a questão política interna em uma situação de relação exterior com um dos principais parceiros comerciais nosso, que no caso é os Estados Unidos.”
Segundo ele, o desgaste é agravado pela fragilidade do governo Lula. “Está ocorrendo mais um ataque, de um governo que tem demonstrado fraqueza, que é o caso do governo Lula, e consequentemente um governo que está em queda na aprovação, e qualquer baque, vira um grande baque, e pode prejudicar muita gente sim.” Para Gilberto, a instabilidade política e econômica interna reflete diretamente no campo. “A política econômica para o agro ela é muito prejudicial […] isso pode impactar diretamente na geração de empregos e no crescimento do Estado.”

Apesar do cenário tenso, Gilberto mantém uma postura esperançosa. “Me mantenho otimista de que seja resolvido da melhor maneira pra que não traga prejuízos, e não traga traumas econômicos a um curto prazo.”
Já a economista Greice Guerra insistiu que “o presidente Lula precisa ter calma, sangue frio e ter diplomacia para conversar com Trump”. Para ela, retaliações precipitadas apenas agravam o problema, visto que “a gente está lidando com o mandatário Trump, que abala os mercados globais querendo ou não. Ele preside a maior economia do mundo”. Nesse contexto, ela defende que o país precisa “minimizar os impactos agora para poder conservar e pelo menos não deixar que a economia brasileira piore mais do que já está”.
Ao final, a economista sintetizou a gravidade da situação: “essas tarifas são muito pesadas para o Brasil, mas para o mundo todo também. É meio que injusto, sabe? […] Tem um interesse político aí muito grande que está se sobrepondo aos interesses econômicos dele. […] É muito negativo para o país. Tem que tentar minimizar os impactos ao máximo.”
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